Se compreendemos o que é estarmos sós, então não deveria a possibilidade de estarmos sós no universo abrandar-nos, como quando uma pessoa se descobre sozinha em casa, sem que ninguém a pressione, livre para estabelecer um ritmo seu, acertá-lo pelo melhor equilíbrio, quase indolente, a evitar o tédio, a gozar a casa? Se não há outros na galáxia a exigirem à humanidade toda a determinação e a urgência, por que razão então esta corrida contra o tempo em que ela vive? O que não pode fazer-se, enquanto humanidade, só daqui a cem, mil, ou dez mil anos? Por que não fazer de todos os dias um desejo de domingo, fazer disso uma libertação da solidão com os outros. Talvez não nos concebamos enquanto humanidade de outra maneira, sem um outro que nos ameaça e obriga a lutar, quando não a guerra o estado permanente de crise. Talvez esse outro seja apenas interno, um desdobramento da representação apocalíptica da humanidade e talvez haver outros realmente lá fora acabasse com a projeção desse outro interno que nos impede de tomar por razoável perseguir-se um feliz quase tédio. Estarmos sós, desassombrarmo-nos dessa companhia aterradora é, aliás, o caminho possível para nos restituir a potência da boa companhia.
O hábito é o benefício de uma lembrança que não lembra, de um esquecimento que não se esquece, como quem se desprende do fardo de respirar e, ainda assim, respira.